Tristeza: como 5 músicas diferentes abordam o mesmo tema

Galeno de Melo
7 min readFeb 7, 2022

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Cena do filme “A vida e Brian”, em que todos os crucificados cantam “Sempre olhe o lado bom da vida”.

Desde que comecei a me interessar por música, sempre achei curioso como o sentimento mais retratado costuma ser o amor. Por outro lado, a tristeza não parece receber tanta atenção nas mídias mais populares: a exceção de Divertidamente, Bird Box (que aparentemente é uma “metáfora para depressão” ¯\_(ツ)_/¯) e os álbuns da Adele, poucas obras parecem falar desse sentimento tão introspectivo.

Isso acontece, talvez, porque a tristeza é um sentimento que tentamos ao máximo evitar. Parece lógico: se algo nos faz sentir mal, melhor se afastar desse algo, certo? Mas, como o supracitado Divertidamente bem ilustra, a tristeza faz parte da nossa vida.

Por isso, e por ser apaixonado por música, eu trouxe 5 exemplos de como artistas diferentes retratam sua tristeza, algo que, particularmente, me ajudou a ver esse sentimento por outra ótica.

  1. Drown, do Seafret;
  2. The New Great Depression, do The Moth & The Flame;
  3. Illusion, do VNV Nation;
  4. Sorrow, do The National; e
  5. Mr. Blue, da Catherine Feeny.

5 músicas, 5 interpretações diferentes do mesmo sentimento.

Drown — Seafret

Who will fix me now?

Essa é a mais pessimista da lista. Junto com o que vemos no clipe, dá pra entender que a tristeza, nesse caso, está atrelada à solidão e a um término, e como isso “mata” o indivíduo aos poucos (the loneliness is killing me).

Particularmente, acho a visão dessa música a mais problemática, pois parece terceirizar a solução da tristeza (won’t you drag the lake and bring me home again?). Ele mesmo se coloca num lugar sem saída (hold my breath and let it bury me) e admite não conseguir superar por conta própria (cause you know that I can’t do this on my own), o que é perfeitamente aceitável: é, inclusive, aconselhável buscar ajuda quando a situação parece perdida.

Contudo, não é justo jogar o peso sobre outra pessoa (who will make me fight? / dive in when I drown). Você pode contar com ajuda de amigos, mas quem “deve fazer você lutar” é você mesmo e a sua vontade melhorar. Alguém até pode “mergulhar quando você estiver se afogando”, mas, em algum momento, você precisará aprender a nadar por conta própria.

The New Great Depression — The Moth & The Flame

The monster in my head is ruthless

Essa, talvez, seja a música mais direta ao ponto da lista. O clipe ilustra a depressão como um monstro que acompanha o artista desde a infância (I was young, saw your face / When the lights went out), algo parecido com “Eu tenho um cachoro preto, o nome dele é depressão”.

O monstro é quase que onipresente e destrói diversos momentos da vida dele, mas, por vezes, o acompanha e o “ajuda”, quase que como um companheiro. Esses momentos de “ajuda” podem ser os momentos em que a tristeza nos faz entender um comportamento ou uma dor, bem como aprender a lidar/evitar isso.

Em ambas as obras citadas, é dito que isso é um problema global (e de fato é): outras pessoas também carregam monstros/cachorros pretos, mas cada uma lida de um jeito diferente. É por isso, inclusive, que a música se chama The New Great Depression: assim como a Grande Depressão de 1929, a “nova grande depressão” é um evento global que arrasa a vida de milhões de pessoas, cada um à sua maneira.

Voltando à letra da música, há vários trechos com o qual você pode se identificar, como quando alguém nos pergunta “tá tudo bem?”, ao que respondemos “tudo, sim” (I’m fine, don’t ask), como uma forma de “evitar incomodar o outro” com nossos problemas (note as aspas). Ou, ainda, quando ele relata sobre as noites em claro sentindo solidão (up at night, feeling down / Am I all alone?).

De modo geral, a depressão faz parte da vida do artista e ele relata como é conviver com ela, algo que, com o tempo, ele foi aprendendo (assim como as demais pessoas do clipe fizeram).

Illusion — VNV Nation

Feeling as though you never belong

Clipe não-oficial criado pelo artista Andy Huang

Essa não é diretamente sobre tristeza, mas sobre como o mundo pode nos deixar tristes. A música começa falando sobre o sentimento de confusão mental (I know it’s hard to tell how mixed up you feel) e sobre como estamos sempre buscando incessantemente por uma solução mágica (Hoping what you need is behind every door), uma busca que não parece ter fim.

Um ponto particularmente interessante da música é a forma como ela aborda o sentimento de “querer ser outra pessoa” (wishing you were someone else), algo explorado no clipe criado pelo fã, em que o robô tenta se parecer com a mulher da televisão e acaba se destruindo por isso.

Por vezes, quando algo nos machuca, tendemos a pensar que o erro está em nós e que precisamos mudar algo em nós mesmos (each time you get hurt, I don’t want you to change). Contudo, não é porque algo deu errado que somos os culpados: pode ser algo de errado com o mundo (the world is just a illusion, always trying to change you) ou porque nós temos uma relação diferente com ele (but what I do know, is to us the world is different).

Mas, pra mim, a mensagem mais importante dessa música é: não adianta sentir raiva pela dor que sentimos (I don’t want you to hate / For all the hurt that you feel). Isso porque o mundo é indiferente a isso e só quem sofre com isso somos nós mesmos. Sentir raiva é dar vitória para quem nos oprime.

Sorrow — The National

It’s in my honey, it’s in my milk

Essa foi a música que inspirou a lista, na verdade. A primeira vez que ouvi o vocalista cantar que “não quer superar a tristeza” (I don’t wanna get over you), eu senti um estranhamento. Por que alguém não iria querer superar um sentimento ruim? E, um tempo depois, eu entendi: a tristeza não precisa ser superada.

Assim como no vídeo do cão preto, a tristeza não simplesmente vai embora. Pelo contrário: ela está por toda parte. Inclusive, há um trecho que diz que ela “está no meu mel, está no meu leite” (it’s in my honey, it’s in my milk), que é uma referência a uma passagem bíblica que diz que a terra prometida dos Hebreus — Israel — seria uma terra abudante em “mel e leite”, ou seja, uma espécie de paraíso farto.

Junto com outro trecho que mostra o caráter “inesperado” da tristeza (sorrow is a girl inside my cake), dá pra entender que é um sentimento que, muitas vezes, nos acomete do nada mesmo em momentos em que não nos imaginaríamos tristes. É até agonizante, de certa forma, estar em um momento bom e, sem motivo aparente, sentir a ansiedade vir aos poucos. Mesmo com tudo em ordem, ainda podemos ser acometidos pela tristeza.

Por conviver muito tempo com a tristeza (sorrow found me when I was young), acabamos por nos acostumar com ela e, inclusive, nos deixar moldar por ela (I live in a city sorrow built), mesmo que ela nos deixe em trapos (cover me in rag and bone).

Ainda assim, o artista não quer superá-la, pois sabe que é impossível. Sendo assim, precisamos aprender a compreendê-la e aprender a conviver com esse sentimento.

Mr. Blue — Catherine Feeny

Don’t hold your head so low that you can’t see the sky

De todas, essa é a que mais dá um aperto no peito, apesar de ser a mais otimista. “Blue”, em inglês, é um termo constantemente usado para “tristeza” ou “depressão”. “I’m blue” pode ser traduzido como “estou triste”, por exemplo, logo, “Mr. Blue” seria o “Sr. Tristeza”. Assim como Illusion que citei antes, essa música também é do ponto de vista de alguém que enxerga a pessoa triste de fora.

O primeiro ponto é sobre o comportamento autodestrutivo de não aceitar elogios ou não enxergar o próprio valor para outras pessoas, quando a artista diz que “eu falei que te amo, por favor, acredite em mim” (I told that I love you, please, believe me).

Em seguida, ela descreve algo comum em pessoas deprimidas (que foram personificadas no “Sr. Azul” da música): cansaço e dor “por alguma razão” (I know that you tired, know that you sore / and sick and sad for some reason), bem como o que já falamos anteriormente sobre a tristeza vir do nada (A fever come to you without a warning).

Ainda assim, ela tenta fazer algo para animá-lo e lembrá-lo que ele é alguém importante pra ela, respeitando o espaço de introspecção dele. “Vou te deixar com um sorriso, beijar o seu rosto e você vai dizer que foi desleal” (So I leave you with a smile, kiss you on the cheek / and you’ll call it treason).

Por último, ela faz um pedido simples: não deixe sua cabeça abaixada, pois assim você vai perder a beleza do céu (Don’t hold your head so low / That you can’t see the sky). Isso é basicamente um lembrete para que não deixemos a tristeza nos fazer esquecer das coisas boas ao nosso redor, mesmo que possa parecer difícil enxergá-las, às vezes.

Esse trecho sempre me faz sorrir, pois é muito fácil olhar para o que não está funcionando e esquecer completamente das conquistas e das pessoas com quem podemos contar.

Tá, mas o que tiramos de tudo isso?

Acho que a maior lição é que cada um experimenta a tristeza de um jeito. Depois, que a tristeza não é algo incomum. Por mais que ela não seja tão retratada, como dito antes, se sentir triste é normal. Dito isso, não precisamos nos culpar por nos sentirmos mal, às vezes, nem achar que os outros não vão entender.

O importante é expressar esse sentimento… da forma que você o está sentindo mesmo, seja um sentimento de que “não há saída” (como em Drown), um sentimento de deslocamento (como em Illusion) ou um sentimento que faz parte da sua vida (como em Sorrow).

A tristeza não é algo que deve ser demonizado, apesar de ser vista, muitas vezes, como um monstro ou um fardo. Com isso, talvez, você aprenda a conviver com seu monstro (como em The New Great Depression) e, assim consiga erguer a cabeça mais uma vez para enxergar o céu (como em Mr. Blue).

Então, Sr. Tristeza, se estiver se sentindo mal, lembre-se que alguém te ama e, por favor, acredite em mim.

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Written by Galeno de Melo

Em algum momento esses textos fizeram sentido pra mim.

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